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Mitos escolares sobre a leitura literária

Repensar a relação com os livros e que tipo de experiência os educadores e as escolas estão proporcionando aos estudantes é a proposta do livro “Ler Antes de Saber Ler – Oito Mitos Escolares sobre a Leitura Literária”

É melhor ler ou contar histórias? Há assuntos proibidos para as crianças? Como escolher um livro para a roda de leitura? Quem responde a essas e outras perguntas, em um bate papo delícia com a redação da Jujuba, é Ana Carolina Carvalho, mestre em educação, formadora de educadores pelo Instituto Avizalá, membro da editora Peirópolis e do Instituto Emília e uma das autoras do livro. Confira a entrevista na íntegra!

Jujuba – Ana Carolina, obrigada por conceder seu tempo para essa entrevista. Poderia contar um pouquinho o que são os mitos escolares em relação à leitura literária?

Ana Carolina – Já faz alguns anos que eu e a minha colega, Joscaline Baruch, escrevemos um livro cujo título é “Ler Antes de Saber Ler – Oito Mitos Escolares sobre a Leitura Literária”. A gente resolveu escrever esse livro porque percebíamos que existiam, na escola, ideias muito recorrentes em torno da leitura. Fazíamos essa observação nos lugares onde íamos fazer formação de professores. Hoje, muita coisa tem mudado para melhor na escola.

A leitura é sempre um assunto bastante presente nas formações dos professores e é possível encontrar muitos materiais bons a respeito da formação do leitor literário na escola, assim como muitas discussões importantes sobre a literatura como arte, como uma experiência estética. Isso tem se tornado cada vez mais presente nos discursos escolares e tem também incidido nas práticas, o que é ótimo. Portanto, a mudança existe e isso é muito bom, mas, em alguma medida, ainda persistem essas ideias recorrentes sobre a leitura literária na escola.

Então, quando a gente escreveu esse livro, elencamos esses oito mitos, que são:

  1. Para as crianças pequenas é melhor contar do que ler histórias
  2. Livro na mão do aluno some ou estraga
  3. Na educação infantil é preciso oferecer livros fáceis
  4. É preciso poupar as crianças dos assuntos mais delicados – como se elas vivessem numa redoma, de certa forma protegidas de questões que são humanas, da vida, que estão aí e que elas também estão pensando sobre porque também vivem essas questões mais delicadas da vida.
  5. É preciso oferecer livros com ilustrações bem coloridas, que as crianças já estão acostumadas – como se elas gostassem só disso…
  6. Sempre é preciso fazer uma atividade depois de ler – como se conversa entre os leitores, que é uma ação que faz parte da prática social da leitura, que faz parte do mundo dos leitores, não fosse suficiente na escola, como se a conversa não fosse um conteúdo escolar em si mesmo, como ela é de fato.
  7. Quem escolhe a leitura é sempre o professor – como se a criança pequena não tivesse a capacidade de escolher a leitura.
  8. Ler é sempre prazeroso – como se fosse uma atividade sempre envolta em prazer, como se fosse uma atividade mais de entretenimento do que de fato uma atividade que envolve um trabalho do leitor e que, às vezes, o prazer advém justamente desse esforço que o leitor faz, do trabalho que ele tem ao ler.

Jujuba – Qual ou quais desses mitos você acha mais danoso para a formação leitora? Por que e como mudar isso?

Ana Carolina – Eu acho que existe também outras ideias recorrentes que não estão no livro, mas que conversam com esses mitos que a gente elencou. Por exemplo, a ideia de que a literatura serve para ensinar alguma coisa ou ela serve como pretexto, seja para ensinar bom comportamento, para conversar sobre questões da vida da criança e emocionais, para ensinar um determinado conteúdo escolar. Inclusive, às vezes, são utilizados textos que se camuflam de literários, mas, na verdade, não são literários, são textos que já têm uma segunda intenção focada no ensino.

Então, eu não sei se eu diria que tem um mito mais importante do que o outro, eu acho que eles convivem e eles conversam entre si. Acredito que a grande espinha dorsal desses mitos é essa origem de uma certa literatura infantil muito aliada ao pedagógico. Como se a literatura infantil não fosse vista na escola como arte, mas encarada como um apoio para aquilo que de fato precisa se ensinar na escola.

Essa questão ainda é um desafio. E isso também se sustenta porque a literatura não está presente na formação universitária dos professores. Além disso, muitas vezes, os professores também estudaram em escolas que não garantiram a formação leitora. Então, também existe esse desafio que é ter um mediador de leitura, que é uma pessoa sem intimidade com a leitura.

Jujuba – O que é mais urgente mudar na educação infantil em relação à leitura literária? E no ensino fundamental?

Ana Carolina – Eu acredito que é crucial garantir a formação leitora dos professores. É preciso que eles vivam práticas sociais de leitura, que sejam leitores, que façam parte de uma rede de leitores, de uma comunidade, que conheçam bons títulos e que conversem sobre a literatura. Esse é o maior desafio que temos: formar esses educadores como leitores, inseri-los nessa engrenagem da leitura, porque para formar leitores, você precisa ser leitor, ter um bom repertório, conhecer. Isso é um desafio.

Claro que as faculdades precisam também incluir disciplinas que abordem a literatura infantil, que abordem as questões em torno da mediação de leitura, da formação de leitores, isso é muito importante. Se a gente fala que a leitura é um aspecto muito crucial da escola, então, precisamos garantir essa formação leitora do professor, sem sombra de dúvida.

Outra coisa importante é ter clareza de que a leitura não é responsabilidade só do professor, ela é da escola toda. Um leitor se faz numa comunidade, ele não se faz isoladamente. Então, garantir que a escola toda possa se alinhar nessa formação leitora, que a escola toda possa contribuir para a formação do leitor é vital.

Por isso é tão importante pensar e planejar práticas institucionais de leitura, que envolvem a escola toda. Tem muitas propostas interessantes, como as atividades de empréstimo, clubes de leitura, feiras de livro, uma parada geral para leitura com frequência na escola, a construção de um acervo bom, diverso, amplo, que possa ser renovado periodicamente, além de garantir espaços dedicados aos livros e práticas institucionais que envolvam funcionários, famílias, estudantes, educadores, todos que fazem parte da comunidade escolar. Isso é muito importante.

É fundamental lembrar que a leitura é uma atividade carregada de sociabilidade. Ninguém é leitor sozinho, por mais que esteja ali, sozinho com o livro, no seu quarto. Para o livro chegar naquele leitor, ele veio pelas mãos de outros, então, a leitura é uma atividade carregada de sociabilidade, que se forja na comunidade, portanto, a escola precisa ser essa comunidade.

Jujuba – Como as famílias podem contribuir para essa mudança?

Ana Carolina – Eu acho importante pensar sobre o papel da família. Para aquelas que são leitoras, já existe um caminho andado. Porém, muitas vezes, o que eu observo é que as escolas e os educadores, de certa forma, acabam culpabilizando as famílias. Mas nós sabemos que as famílias não leem por motivos muito diversos, inclusive financeiros e sociais, o que faz com que não haja livros em casa, por exemplo. Então, eu acho que contar com a parceria da família – e a escola precisa também pensar em práticas que tragam as famílias e as envolvam na leitura – é algo muito positivo, mas a função de formar o leitor literário, que tem competências leitoras, que vai avançando e faz uma progressão leitora na sua formação, é função da escola e não da família.

Isso a gente não pode esquecer nunca: a escola ela tem a tarefa de garantir esse direito humano que é o acesso à leitura literária. Ou seja, se temos o apoio da família, ótimo, mas se não temos, então, é da escola essa grande responsabilidade.

É maravilhoso ter famílias leitoras. Esse encontro da criança com os pais, intermediado pelo livro, é incrível. Mas a tarefa de formar leitores literários com competência é da escola.

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