Em “Olavo”, o premiado escritor e ilustrador compõe uma espécie de anti-herói infantojuvenil com ares de Nietzsche para subverter o estereótipoda criança sempre colorida e alegre.
O que vem primeiro à sua cabeça se pedirmos para imaginar uma criança? Será que ela estará sorrindo, saltitando e brincando, ou quieta, recolhida e fechada em si? Há muitas verdades prontas no imaginário social, e uma delas é o que é a infância.
“Olavo”, livro de Odilon Moraes, mostra uma história que desafia o ideal social do que é uma criança. O livro já mostra em suas primeiras linhas que veio para desconstruir estereótipos: “Olavo era um menino triste”. Mas afinal, nem todo mundo é sempre triste. É assim também o protagonista da história, que um dia ganha uma surpresa que transforma seus sentimentos.
“É uma metáfora de como a delicadeza na vida pode entrar por um fiapo de felicidade, e também de como o outro nos coloca em movimento, justamente por ser sempre parte de nós”, conta Odilon Moraes.
O processo de edição “Olavo” levou cerca de dois anos, e resulta numa edição cuidadosa que preza pela sensibilidade não só literária, mas também estética do leitor. “O diferencial da Jujuba é o cuidado com o objeto livro. Queremos que o leitor sinta a mesma alegria que temos ao produzir o livro. Não trabalhamos para a editora ou para o autor, trabalhamos para o livro. E para que a experiência leitora seja significativa”, defende Daniela Padilha, editora da Jujuba.
Mas por que falar de tristeza com as crianças?
Eis uma pergunta que muitos pais e educadores podem se fazer. E aí entra o entendimento da criança em suas múltiplas dimensões: social, econômica, afetiva e psicológica. A criança é um sujeito de vontades e demandas, assim como qualquer ser humano, e por isso não está imune aossentimentos que todos experimentamos ao longo da vida. “Olavo” amplia esse entendimento a partir de uma história em que tristeza e felicidade são colocados lado a lado.
Omitir que a tristeza também faz parte da experiência humanaseria negar anatureza da criança, eimpedir que ela se conheça por inteiro.
Daí a importância de um livro como “Olavo”, que não faz concessõese se dispõe a nomear sentimentos que muitas vezes a criança ainda não conhece, como a expectativa de lidar com o desconhecido.Não por acaso, para criar “Olavo”, Odilon se inspirou na filosofia e na poesia, passeando pelo pessimismo de Nietzsche para chegar ao seu oposto, a esperança.
Na história, o protagonista é um menino melancólico que vive de cortinas fechadas, mergulhado em uma solidão escura. Até o dia em que a chegada de um misterioso presente aparece em sua porta. Olavo fica radiante e sua vida se enche de cores. Ele fica tão contente que nem abre o pacote, com medo deestragar a surpresa. Porém, o medo chegapara mudar tudo: e se tudo não passar de um engano, e o presente for para outra pessoa?
A partir de uma narrativa que brinca com a relação entre o texto e a imagem, o leitor é levado em uma jornada pela mente de uma criança que difere das outras naquilo que tem de introspecção e sensibilidade. Ao mesmo tempo, é muito parecida com qualquer outra criança, por suas perguntas filosóficas e poéticas.
No decorrer da história, as cores vão acompanhando o alternar da melancolia para a felicidade: ora escuros tons de marrom, ora vibrantes tonalidades de azul. Cabe ao leitor descobrir aquilo que o personagem principal ainda não sabe: quem estará por trás daquela entrega anônima? O que não é dito na palavra escrita, é revelado nas ilustrações, em detalhes sutis que só o leitor mais atento será capaz de perceber.
Cada criança é um mundo
Para Odilon, associar a melancolia ao universo infantil é subverter a ideia pronta do que é ‘ser criança’, ao mesmo em que reafirma o poder da ficção de nos conectar com o outro. “A arte inventa uma vida para que a gente se veja nela. A literatura é uma entrega à alteridade, é o que nos permite ser outros. Por isso, propicia uma oportunidade maior de empatia do que a própria vida”, explica o autor.
Assim como acontece em outros livros do autor – como “Pedro e Lua”, por exemplo –, a noção de criança é trabalhada não de acordo com um “modelo” socialmente construído. Aqui, a criança é vista como alguém capaz de interpretar poeticamente elementos escondidos, preenchendo lacunas de significado sem se prender aos estereótipos dos livros coloridos e hiperexplicativos, que não deixam espaço para a imaginação.