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Qual a importância da literatura no processo de alfabetização?

Responder à pergunta que dá título a esse texto não é simples. Na verdade, para alguns especialistas, como a professora associada da Faculdade de Educação da UFMG e coordenadora do Programa Bebeteca: uma biblioteca para a primeira infância da FAE/UFMG, Mônica Correia Baptista, essa é uma pergunta difícil e um pouco capciosa. Isso porque a literatura não tem nenhuma relação com a alfabetização se entendermos alfabetização como sendo a aquisição de um código ou como sendo a mera capacidade de compreender como funciona o Sistema de Escrita Alfabético, com suas regularidades e irregularidades. 

Por outro lado, Mônica diria que literatura tem muito a ver com alfabetização se a compreendemos como um processo por meio do qual as pessoas vão se apropriando da escrita como uma linguagem. Ou seja, para que essa pergunta seja respondida, antes de tudo é preciso dizer com que conceito de alfabetização se está trabalhando.

Se tomarmos como referência o primeiro conceito, a literatura pode ser usada indevidamente, isto é, como estratégia para treinar habilidades relacionadas à codificação e decodificação de símbolos gráficos. “As tradicionais práticas pedagógicas do tipo ler um poema e retirar dele uma palavra, ‘estilhaçar’ essa palavra em sílabas e em fonemas para que as crianças percebam a relação letra- som, para mim, é como colocar uma tela da Tarsila do Amaral para cobrir uma vidraça quebrada. É possível, mas é absurdo”, explica a professora.

Entretanto, se a alfabetização é compreendida como um processo de apropriação de uma nova forma de pensamento, que ocorre por meio da palavra escrita e que nos introduz às culturas do escrito, nesse caso a literatura tem um papel fundamental. “Ela é uma porta de entrada para a criança, para o jovem ou para o adulto no universo letrado”, enfatiza.

A literatura, portanto, deve ser parceira inseparável nesse processo de entrada no mundo da palavra escrita pela porta da imaginação, da beleza, do inusitado, do espetacular.  

Por onde começar?

A literatura na alfabetização deve ser encarada do mesmo modo como se trabalha na educação infantil e nas etapas seguintes em que as pessoas já se alfabetizaram: apresentando aos aprendizes a riqueza da literatura, ensinando a adentrarem na essência do texto literário que é o que se deve fazer quando se está diante de um objeto artístico. Aprender a admirar, a ampliar as possibilidades de construção de sentidos, a dialogar com as experiências que são do âmbito do privado, das vivências de cada um e ao mesmo tempo em que trazem para o leitor o inusitado, o diferente, o diverso. 

Mônica afirma que é comum usarem uma afirmação da professora Magda Soares em que ela diz que a “escola escolariza o mundo” e empregam essa proposição para justificar o uso do texto literário como suporte para aprendizagens de conteúdos escolares. “Não tenho dúvida de que aquilo que entra na escola torna-se objeto de ensino e de aprendizagem. Mas, o que é que deve tornar-se objeto de ensino e de aprendizagem no caso da literatura? Creio que aquilo que se deve ensinar às crianças, aos jovens e aos adultos é a serem leitores de literatura, o que não é tarefa simples e banal”, explica. 

Não basta dar acesso a textos literários. É preciso que eles tenham qualidade. Selecionar, eleger bons textos é um requisito que deve fazer parte da formação de professores e demais mediadores. Da mesma forma, não basta escolher boa literatura, é preciso garantir que ela esteja disponível em quantidade suficiente e frequência e regularidade adequadas. “Não é suficiente ter bons livros, serem variados e estarem frequentemente ao acesso dos aprendizes é preciso uma adequada e eficiente mediação para apoiá-los na difícil tarefa de se tornarem leitores de literatura”, enfatiza Mônica. 

Uma educação literária (ou letramento literário) é aquela que é capaz de formar um leitor autônomo, que deve ser capaz de escolher o que vai ler. Para tanto, é preciso possuir um repertório de temáticas, de estilos, de autores etc. e a partir desse repertório realizar suas escolhas. Esse leitor também deve ser capaz de apreciar o texto artístico, isto é, aceitar as regras que são próprias dessas narrativas e ser capaz de admirá-las, de se emocionar com o que esses textos proporcionam. É preciso ensiná-lo a empregar estratégias de leitura próprias deste tipo de texto. “Não é fácil formar um leitor de literatura e essa formação deve iniciar-se quando as crianças chegam ao mundo. As famílias e as professoras têm um papel muito importante nessa formação. No caso das professoras, elas precisam receber uma formação inicial que as capacite para desempenharem essa função que é uma das mais importantes da sua atividade profissional”, destaca a professora.

Sinal vermelho

No caso das crianças bem pequenas, não se deve matar o amor que elas têm em relação ao texto literário, fazendo dele um instrumento para ensinar conteúdos escolares. 

Como se mata esse amor? Mandando colorir a parte que mais gostou, retirando palavrinhas para estudar as sílabas, mandando preencher questionários com informações óbvias e facilmente identificáveis no texto. “Esse assassinato acontece ainda com muita frequência.  E, no caso das crianças maiores, dos adolescentes, dos jovens e dos adultos, que já sofreram com esse assassinato, não se deve continuar a fazê-lo. E aí a tarefa é de ressuscitar esse amor, o que só é possível se a professora ou a pessoa responsável pela promoção da leitura for uma amante incondicional da literatura”, finaliza Mônica.

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