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Birra ou pedido de ajuda?

Descubra porque é importante repensar o que chamamos de “birra” e como acolher as emoções intensas das crianças pequenas

“Ele fez birra no mercado.”
“Ela teve um ataque de birra porque não queria guardar os brinquedos.”
“É birrenta demais, não aceita um não!”

Frases como essas são comuns entre pais, mães, avós, cuidadores e toda uma gama variada de pessoas – tenham elas filhos ou não. A palavra “birra” faz parte do vocabulário popular para descrever comportamentos difíceis das crianças, especialmente entre 1 e 5 anos, como choro intenso, gritos, negativas e comportamentos de oposição. Mas será que “birra” é mesmo o nome mais justo para esses momentos ou será que o que chamamos de birra é, muitas vezes, um pedido de ajuda de alguém que ainda não sabe se expressar claramente com palavras?

Cada vez mais, psicólogos infantis e estudiosos da infância nos convidam a olhar para esse comportamento com outros olhos. Não porque “birra” não exista – o termo está no dicionário e todos sabemos o que ele quer dizer. Mas porque ele carrega uma carga negativa, moralizante e pouco empática, que pode nos afastar do que a criança realmente precisa: acolhimento, escuta e ajuda para nomear e regular emoções.

O que está por trás do que chamamos de “birra”?

Por muito tempo, acreditou-se que a criança fazia birra para “manipular”, “testar limites” ou “chamar atenção”. Hoje, já se sabe que essas reações são resultado da imaturidade emocional. O cérebro infantil ainda está em construção, especialmente nas áreas que comandam o autocontrole, o raciocínio e a linguagem. Por isso, é comum que crianças pequenas não saibam lidar com frustração, cansaço, fome, insegurança ou mudanças na rotina e acabem expressando tudo isso com o corpo e com o choro.

Quando a criança grita, esperneia, bate o pé ou se recusa a fazer algo, ela não está tentando “vencer” o adulto. Ela está dizendo, do jeito que consegue: “eu não sei lidar com isso sozinho.”

Então, birra não existe? Como já mencionamos, o termo “birra” existe, sim, mas muitos profissionais preferem evitar o termo ou usá-lo com cuidado, porque ele costuma vir acompanhado de julgamentos: “está mimado”, “é teimoso”, “está manipulando”. Esses rótulos não ajudam a resolver o problema, pelo contrário, podem dificultar o vínculo e gerar respostas agressivas por parte dos adultos.

Algumas alternativas mais respeitosas e precisas para nomear esse comportamento seriam crise emocional, explosão de sentimentos, dificuldade de regulação emocional. Porém, mais do que mudar a palavra, a proposta é mudar o olhar: em vez de enxergar a criança como um problema, entender que ela está passando por um problema e precisa de ajuda para atravessar esse momento.

Esses comportamentos costumam aparecer quando a criança está lidando com situações que a desafiam emocionalmente, como cansaço extremo ou sono acumulado; fome ou sede, mesmo que ela não saiba nomear; frustrações do dia a dia, como não conseguir encaixar uma peça ou ter de interromper uma brincadeira; mudanças na rotina, como sair da casa da avó ou trocar de cuidador; desejo de mais atenção ou conexão emocional e sensação de impotência, comum em fases em que ela quer fazer tudo sozinha, mas ainda não consegue.

Como agir nesses momentos?

Mesmo sabendo que a criança não tem controle total do que está sentindo, isso não significa que devemos aceitar qualquer comportamento. É possível acolher sem ceder a tudo. Para te ajudar nessa jornada, aqui vão algumas orientações:

Mantenha a calma e seja o porto seguro: se o adulto também se desregula, a crise tende a piorar. Respire fundo, fale com voz baixa e mostre que você está ali, disponível.

Valide os sentimentos da criança: diga frases como: “Você está muito bravo porque queria continuar brincando. Eu entendo.” Nomear emoções ajuda a criança a reconhecê-las.

Estabeleça limites claros e firmes: dizer “não” faz parte da educação, mas o “não” pode vir com empatia: “Agora, não é hora de doce. Sei que é difícil esperar, mas depois do almoço a gente pode conversar sobre isso.”

Espere o momento certo para conversar: durante a crise, o cérebro da criança está em “modo sobrevivência”. Espere ela se acalmar para conversar, refletir ou propor combinados.

Reforce o vínculo após a crise: um abraço, um colo ou uma brincadeira depois da tempestade mostram para a criança que ela é amada mesmo quando erra ou se descontrola.

Se o comportamento estiver muito intenso, durando mais do que o esperado para a idade, ou se os episódios vierem acompanhados de agressividade, retraimento ou dificuldades em outras áreas do desenvolvimento, vale conversar um psicólogo infantil. O objetivo não é “consertar” a criança, mas entender se há algo mais profundo acontecendo, como uma ansiedade persistente, insegurança, estresse familiar ou questões sensoriais, afinal, esses eventos podem ser uma manifestação legítima de sentimentos difíceis demais para uma criança pequena lidar sozinha. Quando olhamos para isso de forma mais empática, ajudamos nossos filhos a crescerem com mais segurança emocional, consciência de si e capacidade de enfrentar frustrações.

Portanto, da próxima vez que seu filho se jogar no chão do mercado ou chorar porque o sorvete caiu, tente se perguntar: “O que ele está tentando me dizer com esse comportamento?”. Essa escuta atenta, mesmo que silenciosa, pode ser o começo de uma resposta mais humana, respeitosa e eficaz.

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